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terça-feira, 16 de março de 2010

A Rosa Lobato de Faria, no seu aniversário

Quero dar-te a coisa mais pequenina que houver

bago de arroz grão de areia semente de linho

suspiro de pássaro pedra de sal

som de regato

s coisa mais pequena do mundo

a sombra do meu nome

o peso do meu coração na tua pele

- RLF



Amei-te com as mãos, as mesmas com que te digo adeus

-RLF

     A Rosinha na Estação de Campanhã, alfazema com toques de garça, a fúria de lenço branco e lilás, um assomado vendaval, eu atarantado, feito ogre, com receio de a quebrar se lhe tocasse, e a Rosinha, de cristal



    - O André é tão grande



     revejo-a flor de cristal visto que a minha mãe não permitia sequer ao vento que com crueza a afagasse. A minha mãe e a sua infinita nobreza, a minha mãe alva e lilás, a Rosinha conheceu-a num jantar e sentiu o odor a flores, quais flores? Não me lembro. Digamos cleostópomis ou vilandeiras ou abrântemas. Cleostópomis, sentiu o odor a cleostópomis. Era uma noite quente, talvez de Maio ou Junho, fica Junho. Em que terra? Sesimbra, que tal Sesimbra. Em Sesimbra, a Rosinha abeirou-se e ter-lhe-á dito já sei que gosto de ti, mas, de início, noutras palavras, já sei que vilandeiras de si, porque tudo em ti é grão e reluz, porque a tua língua é alva e lilás, porque não guardas o coração em linho, mas antes o levas em estandarte, porque me faz falta a luz e agonio de sede, da sede da tua nobreza, do teu coração em estandarte, sei que somos irmãs, e já nada disso dito em colher de prata, nada dito em abrântemas, somos irmãs e rimos, entrelaçadas, como as das mitologias, emboscadas, que baptizam estrelas, irmãs do fundo



    E, depois disso, uma tia, uma tia de flor de cristal, parecida com outra, mas de estratosferas estrambólicas, com paninhos de porcelana e espírito bravio, fulgor de Sandokan, com mãos de origami, talvez debrum, carmim, que me afagava em orvalho



    - Meu querido



    e eu feito ogre, trangalhadanças, com receio de a quebrar, tentando um carinho, nunca tinha conhecido uma pessoa da realeza, aquele seu porte, austeridade de doce chá, mas não era só isso, havia mais e só o descobri no que ficava, no que ia ficando



    - Adeus, Rosinha, eu cliostópomis vilandeiras e abrântemas de si



    Ficando os livros, os manjares, feitos de ervas e jasmim e aromas que não há, o pão da Avó Açucena e, para a sobremesa, as delícias do sensus, de lábios, de coxas e seios, de rosa, de mulher rosa e eu a reler a capa para ver se a autora era mesmo a Rosinha, falando de mamilos morenos, da fome dos homens, do sal, dos prazeres da pele, do sensus, do bicho de seda, da mulher rosa, da rosa da mulher, dos homens, da nossa fome, a Rosinha não, o narrador autodietético, e eu a reler a capa para ver se era mesmo a Rosinha, as palavras agradando ao meu bicho de seda, ainda hoje, ele me recita



    Primeiro a tua mão sobre o meu seio/depois o pé – o meu – sobre o teu pé/Logo o roçar urgente do joelho/e o ventre mais à frente na maré



    na calada da noite, nos pinhais do nosso bravio, de onde se plantam naus, e ele que nem é dado a versos, não, ele mora em pinhais, bravio, asperge toques, em peles morenas, salgadas, do mar, ventres, porque essa mulher, ai essa mulher, pinhal bravio, destila lava e rubor, funcho e liláses, essa que bamboleia a praia, essa de mamilos morenos, essa que te suga, o canto, sal, rosa, e eu envergonhado, a reler a capa para ver se era mesmo a Rosinha, que me dizia por carta



    - Meu querido



    Guardei-a tão bem que nem sei onde pára, mas recordo bem a mensagem era, ipsis verbis,



    (a Rosinha amava latim, perguntando se eu amava latim e eu distraído, ainda lá atrás, a demorar-me na mulher da praia, talvez me dedicasse ao latim se não houvesse tantas mulheres bamboleando, se do pinhal bravio não se fizessem naus)



    e era, ipsis verbis, rosa, rosae, se bem me lembro,



     - Meu querido



    (naus ad rosam)



    e foi isso que me ensinou a escrever, foi isso que me ensinou a viver, Rosinha, que tudo o que se diz, destilado, por mais cheirosas que sejam as cliostópomis, as vilandeiras e as abrântemas, que tudo se filosofa pedralmente em



    - Meu querido



    e era isso que lhe queria dizer, hoje, no dia do seu aniversário. Dizem que morreu, dizem nas notícias, e eu que mau gosto, que ofensa, são crendices, não acredito, porque quereriam as notícias saber da minha tia, a minha tia disfarçada de senhora, mas antes uma mulher que bamboleia a praia e cuja mão no meu rosto, que se vai da lei da morte libertando, mais que os versos, o carinho que deu à minha mãe, mais que os livros, se sustentam, irmãs de mitologia, baptizando estrelas, rindo traquinas, numa noite de Junho, fica Junho, na noite em que eu nasci e alguém me aspergiu, sorrindo



    - André, meu querido



    se vai da lei da morte libertando, filosofando pedralmente, o amor, o sal e tudo o mais a que se brinda, o vinho que nos desfaz ogres, o vinho com que se brinda e se diz, com o pensamento mais elevado, o sentimento mais sublime e a palavra mais clara Eu gosto, Rosinha, o vinho com que se brinda e diz, a uma voz, revira-se a maré e eu, feito nau, torno a gostar de si




    e a Rosinha, de mão dada ao Kiki, a mandar-me beijos e dizendo André, não leve a mal se nos cruzarmos na rua e não der por si. É que estas carcaças quebradiças, que verá arrastando-se pela rua, não passam das âncoras de dois anjos que planam à altura dos prédios, desfiando as noites para as bordarem em amoras, encarnadas e sumarentas, a mancharem-nos a pele de criança.

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