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quinta-feira, 11 de março de 2010

Por Quem a Luz Alumia

Para Leandro











Não perguntes por quem os sinos dobram, eles dobram por ti.

- John Donne






May it be a light to you in dark places, when all other lights go out.

- JRR Tolkien









    De todo o amor de que se compõe o céu: gosto muito de todos vós e não fiqueis em cuidados de mim,



    (Se me emudeço, se me quedo, se me alastro, se me agasto. A jusante, se me deponho, a montante, se me consolo. Se nas margens me converto, se nas pedras me tatuo. Não penseis e ai Deus se verrá cedo, nem nas faces de alvor, nem no olhar manso, nem ai Deus se verrá cedo, lembrai-vos só de Sião, nem ai Deus)



    peço-vos, não fiqueis em cuidados de mim.



    (Fui deitar-me em verdes prados, mas que me caia a vista, que me coza o sangue, se me esquecer de si, Mãe, que me salgue a pele, que me verme a língua, que me abrase os olhos, que me sopre o peito e a vela se apague, Mãe, se me esquecer, que me sopre o peito e a vela se apague, Mãe, se me esquecer de si)



    E, de todo o amor de que se compõe o céu, não me obrigueis a falar,



    (Só quero pensar no lugar que era meu à mesa, das meias quentes da salamandra, da coalhada a colheres de açúcar, do Natal em que o frio era bom por se falar mal dele, o primo a troçar que preferia ir à Missa da Galinha e eu a rir-me por imaginar o senhor padre a dizer o mistério da fé e saltava uma galinha cá-cá-rá-cá-cáaaa, o senhor padre a dizer cá-cá-rá-cá-cáaaa e a galinha a dizer o mistério da fé)



    não quero falar, não sei falar



    (a minha ânfora escaqueirou-se, partiu-se, caiu, rebolou para onde ninguém me podia chegar, partiu-se, caiu, e eu não tinha cajado para ir ao monte, tanto queria ir ao monte, sonhava galgar montes com cajados, gigante, eu gigante, eu com pele de azulejo e todos espantados a olhar para cima, eu a matá-los a todos, fulminante, eu a galgar montes, reluzente, resplandecente, e a Mariana a olhar, pele de azeitona, um jeito de mão no cabelo, eu a matá-los sem ter a Mariana de dizer seus anormais, deixem-no, deslarguem-no, um jeito de mão, azeitona, o mistério da Mariana, um beijinho só)



    e nem tenho voz, acolheram-me já sem voz, nem unhas, nem cabelo, nem gelatina dos olhos



    (no fundo uma carcaça, joga-se fora como o lixo, sobra um peito e a vela, essa por muito que vente, só se me esquecer de si, Mãe, não fique assim, só porque não me conseguiu chegar, só porque rebolei, partiu-se, caiu, e não havia mão que



    no fundo algo que nem merece, não fique assim, ponho-lhe a vela no colo, o peito no colo, a Mãe sossegue e veja se cheira mais a si, cheira tão bem, não gaste mais daquele perfume que a Madrinha lhe deu, não arqueie a mão e não faça perfume para a mão nem a cruze com a outra)



    apenas um peito e uma vela



    (que lhe coloco no colo, não chore, Mãe, gasta a pele do rosto, vincada de nervos, a gelatina dos olhos, só é pena não me pousar a cabeça no ninhinho, lembra-se, Mãe, o ninhinho entre o ombro e o pescoço, a Mãe deitava-me lá a cabeça e eu já na altura a provar o amor de que se compõe o céu)



    uma vela e um peito,



    (a verdade é que me racharam a ânfora, não partiu-se, caiu, e a verdade é que fico com pena, nunca chegarei a ser homem, nem a dizer ao Lourenço, sabes, filho, preferia antes ir à Missa da Galinha, e o seu neto a rir-se por imaginar uma cambada de galinhas a pedir a salvação, uma galinha gulosa a comer as hóstias todas, ele a pedir ninhinho à Mãe derivado ao frio do voltar para casa e a Mariana, amorosa, jeito de mão, pingo de oliva, a aninhá-lo, uma prenda no leito, um anel de és tu, a noite fria, mas boa por se falar mal dela, mas boa por se viver sob as estrelas, um caldo à mesa, uma prenda no leito e um anel de és tu, afinal ficam para outro, para mim não, nunca, jamais)



    que coloco no seu colo



    (sem voz, falo-lhe por música, pelo quente, pelo que se assemelha a nuvens que de tão inchadas alimentam rios, galgando montes, galgando a América dos filmes de tiros, os tiros sou eu de azulejo, gigante fulminante, a matá-los a todos, a alimentar os rios, galgando, um cajado, avistando o mar)



    à falta da cabeça no ninhinho,



    (e em chegando ao mar, Mãe, em lá chegando, que cavalos são estes que fazem sombra no mar, cantávamos nós nas janeiras, esses cavalos dizem-me elas, estas fadas, dizem-me eles, nem sei, serão o mistério da fé, cantávamos nós nas janeiras, e seguirei cantando assim, se escutar bem o seu colo, se escutar bem o que digo, não gaste desse perfume, por muito que vente, a vela, por muito que vente, o peito, nunca me hei-de esquecer de si, de como na terra o amor de que se compõe o céu, na terra e no céu, um beijo de mim, de mim para ti, cá te espero, o mistério da Mãe, o mistério)



    Mãe.

2 comentários:

João Nogueira disse...

Caríssimo, bem-vindo, já estavas era a demorar :)
O teu blog vai-me tirar horas de trabalho! As metáforas mais "porreiraças" são as de decifração mais complicada e a tua escrita é um desafio...
Pronto(s), para primeiro comentário julgo que dizer as banalidades do costume é aceitável...portanto, eleva-nos, a todos, com o teu potencial! A responsabilidade é tua, pah!
Grande Abraço, André.

mlmalato disse...

André,

gostei de o ver. E agora de o ler. Entendeu já o mais difícil, creio. Que o que se escreve não é um acrescento à matéria, mas a definição da matéria. Tal como um escultor, batemos na pedra, tiramos pedra: depuramos a linguagem, até que o que queremos dizer tenha a forma exacta do que queremos dizer. E só por isso deseja aquela evidência de escrever um peixe a nadar na poça de água, sobre um peixe que nada na poça da água, bastando-lhe o espanto de um peixe continuar a nadar numa poça de água. E há tão poucas pessoas que se espantem!...
Um abraço muito amigo da
MLuísa Malato