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quinta-feira, 25 de março de 2010

Heima


No fundo dos olhos trago
a estrada de Santiago
e o Cruzeiro do Sul


- Carlos Barbosa de Carvalho / Miguel Ramos


    Pediste que te mostrasse quem sou. Resmunguei, para quê, as tuas mãos já me conhecem de mais. Os teus lábios reescrevem-me, a cada dentada, sorvedouro, tinges-me de magenta. Não da cor magenta, mas do som magenta. Sussurra, mandrágora beladona tangerina Carolina. O gomo da Carolina.

    Quem eu sou é isto que vês, na cama a teu lado, tecendo poesia de travesseiro, fiando teus cabelos à lua, ora cresce ora mingua. É domingo deixa-me estar, ao domingo o corpo ancora-se para a alma o alcançar. Não vês a tua alma a pôr as contas em dia, em cálculos de ábaco?

    Insistes, afinal és mulher. A verdade é uma: não te posso mostrar quem sou. A razão é várias

    Repara em mim, a brilhar aos lampejos da Fontana di Trevi, de gelatto a escorrer-me pela mão, stracciatella, sou as Vespas das ruas de Roma, atravesiamo, deliciado pelos trinados italianos

    toti tutiti tapopi labuti buona sera bela grazimili chau nono presto laminestra

    ainda hoje creio que os gelados são italiano condensado, enrolo-o na língua e faço hmmm

    Atenta, sou o sobretudo preto por entre a tormenta de neve. É Novembro, o mês da morte, e ando perdido em Suomënlinna, ao largo de Helsínquia. Quero ribombar os canhões ou despir-me num vendaval sob o céu pintalgado, sempre negro. Por cima, as auroras boreais, por baixo, os mil lagos gelados. Os gnomos loiros que por mim velam, acodem me para a sauna. Cerveja, mergulho com os patos e sono de kahvi e pulla. Chamava-lhe baverite, à princesa dos gnomos. Nascia quando era sempre Sol.

    Nunca mais reencontrei esta ruela, para onde fugi do Museu de História Catalã. Sentei-me num barril de esplanada, onde e eu os meus partilhámos tomaca e sangria. Deus baptizou-me aí, a chuva arrasava o alpendre de hortelã, mas ninguém arredou pé. Porque amigos. Amigos querem-se mais em risos. Esventrámos as vísceras de Barcelona e fomos dar a uma igreja. Enquanto fumavam, entrei. Era um baptizado e, agora ungido, abençoei a menina. Fiz o mesmo em Estocolmo, aos canais. Agnus Dei que limpa o pecado do Mundo.

    Rendido, fora do tempo e do mundo. Sou nada na imensidão agreste, pés plantados nesta paisagem lunar, enegrecida de cinzas vulcânicas. A areia negra, um mar contrário ao mar, um punhado de não sei que aves, o contrário de gaivotas. Aves islandesas, suponho. Há uma escarpa talhada de rochas. As montanhas são tronos de gigantes. Fantasio as noites de Inverno, não é de estranhar que acreditem em fadas. O coração desta ilha é um icebergue, cabelos de fiordes, o céu pesaroso. A Dëtifoss devolveu-me à minha condição original, de bicho humano, humilde, adivinhando o Céu. A barbatana de baleia riscou a superfície e fui rebento. Num bar de Reiquejavique, uma mulher bonita de mais para ser tão simpática. Fomos a banhos à Lagoa Azul, cristal enevoado e odor a enxofre. Queria inspirá-la para dentro de mim, mas de imensa não cabia. Se fechar os olhos, ainda a consigo cheirar, quase que sinto, quase que

    Não fiques com ciúmes. Era o que te queria fazer ver. Não te posso mostrar quem sou, pois estou espalhado. A minha alma desfez-se e paira nos sítios onde fui feliz. Se fores a Caminha, verás que ainda lá flutuo, no dia em que te conheci. Venho ensonado da tenda e, à beira-rio, o Alex apresenta-nos, és a Carolina. Morena. Olhos verdes. Morena/tudo o que vale a pena. Comias cerejas e admirei me de engolires os caroços. Brilho. Aconteceu. Brincos de cereja e gomos de Carolina. Bella. Bela bobupi.

    Entende, não importa que fragmentos, porque me acolheste e resido em ti. Heima. Ítaca. O meu lar. Domingo, as almas fazem contas à vida e nós desaguados. Corpos e profusão de cerejeira. Se o meu sangue não me engana/havemos de ir a Viana. Heima. Ítaca. Ver o mundo e, Morena, por fim, desaguar nos teus braços.

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