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segunda-feira, 15 de abril de 2013

jubentude, é favor responder ao inquérito, por gentileza!

vá lá...

sexta-feira, 11 de março de 2011

Japan's Pop Culture as a Cultural Emissary


à luz da catástrofe que assolou o Japão nesta triste data, abro uma excepção à política estritamente literária deste poiso e publico um artigo escrito para a Embaixada do Japão há uns anitos, onde se reflecte como os tesouros artísticos - mesmo da cultura pop - de cada nação permitem uma abertura ao encontro intercultural. Mina-san, ganbatte kudasai! 

           One could argue that Japan, its people and culture have never been so popular in the Western world, as far as its widespread presence in the public eye and in pop culture is concerned. There is plenty of access to information about Japan: it features abundantly in the media, there are exhibitions of Japanese art, live concerts, theatre, shows and other artistic demonstrations all throughout the West. Curiously, countless pre-existing Japanese icons, from an old, worn-out T-shirt of “Astro Boy” you had as a child, to the screen animation on your mobile phone depicting sakura on a Mount Fuji backdrop, were not - but are now - instantly recognizable as Japanese references. Even more important than this new‑found awareness is the willigness and conscious desire to seek out and come into contact with Japan, due to the appeal of one or more attractive aspects, like its cuisine, martial arts, architecture, fashion, technology, cinema, music and also its high cultural manifestations, such as woodblocks prints, tea ceremonies and haiku poetry.
Focusing on Portugal, Japan’s trendsetting character can be particularly seen in the proliferation of Japanese restaurants, associated primarily with exotic, healthy food and fashionableness. The steady increase in the amount of material available about Japanese art, design and architecture show that these are particularly sought after fields by students and professionals alike, always eager to come up with “the next big thing”. Also, several New Age books, associating Japan with Zen philosophy and Murakami Haruki novels fly off the shelves; movie buffs caress the cover of a rare edition of Kurosawa Akira’s “Seven Samurai”; young girls beg their parents for a overpriced hair clip, entranced by the Kawaii culture the “Hello Kitty” logo on it emblemizes, shared also by their older counterparts, who study the “harajuku girl” and “goth lolita” style with a fervent eye for detail.
However, it is understandable that a scholar has gone so far as to label Anime and Manga as “Japan’s chief cultural export”, since its Portuguese fan base has been increasingly moving, over the last decade or so, from small subgroups among science fiction and fantasy fans to, at least, a marginal niche in the mainstream. The proof that this is just not another fad lies not only on the solid foundation of this phenomenon, but also in the magnitude it has reached: comic book stores find Manga in the top 3 of their bestselling list and even big department stores feature an ever-growing Anime Section. As a result, the number of web groups and conventions dedicated to this topic sprout and grow stronger, galvanizing increasing numbers of people of all ages and of both sexes, whose shared love of the stories, characters, aesthetic and J-Pop music gives birth to long-lasting friendships and, more importantly, to a shared knowledge of Japanese contemporary society that offers an array of insights into its significant issues, dreams and nightmares.
In my opinion, these artistic and cultural manifestations are the most powerful ally for the improvement of the Luso-Japanese relationships, since they nurture a sincere and spontaneous interest - and even love - towards Japan, as well as an understanding about its people and culture, primarily for the originality, uniqueness and the clear indications of its cultural roots, whose difference from the Western mainstream and globalization stands out as site of implicit cultural resistance. Similarly, Portugal’s effort towards that goal should be founded upon a  “strategy of seduction”, that would stand out from diplomatic formalities and uninspired initiatives, which do not reach out new audiences nor awake an interest in our culture, simply because you can’t impose tastes, as neuroscience studies have already proven, if common sense does not suffice. In time, those seeds bring about a cultural understanding, friendship and communion that benefits both parties.
It should be pointed out that the Japanese know the Portuguese much better than we know them, because they learn about our 464 year-old relationship in school and they honour it, as we should, for what we really are: old friends. This friendship has much to gain from an actual intercultural exchange, based upon a mutual respect and a sincere fondness that can only be born from the inner core of our hearts, after they have been ignited by the most beautiful manifestations of the “better angels of our nature”.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

La Llorona

Gracias a tu cuerpo doy por haberme esperado 
tuve que perderme pa’ llegar hasta tu lado 
-- Lhasa de Sela

Every hair in your head is counted 
you are worth hundreds of sparrows
-- Sparklehorse

1.

Tudo está repleto de nada, do vagar baço dos velhos. O nevoeiro afirma-se tão presente que se assemelha a chuva, sem lamento parada no tempo, uma onda em exposição, um amontoado de gotas que só se contrariadas por um descuido de vento formarão poças no chão, acamando folhas, só assim bela a lua cheia, luzidia num reflexo de poças, no caudal dum leito grumoso. Telma caminha numa redoma de nuvens, em vez de neve de calçada, e os farrapos de luz diluem-se, arrastados pela humidade que aumenta e anuncia vida vegetal, odor a musgo, saber ancestral
Por caminhar assim, numa praia fluvial da sua meninice, de cabelos mortos compridos e mãos esgravatando o leito do rio, por sangrar dedos descarnados, Telma roga
Se centenas de pardais viessem
Telma teima
trazer-me o céu de Cuba
Telma roga a Ana Mendieta que por ela fale e nela ponha as palavras,
Só calco o socalco, pontapé à ponta do pé
as palavras e o entendimento
Ana Mendieta é minha Pastora, nada me faltará
De dia, recorte de ondulação numa praia fluvial da meninice, as folhas de madressilva salpicadas pelo vento primaveril, medronhos até aos joelhos, bichinhos carpinteiros
De noite, Telma sepulta os pés na lama e a lua cheia reflectida. Na poça bruxuleante dos socalcos. Quisera ser tragada pela terra, quisera antes ser vinhas. Chegada a altura, seria decepada e esborrachada, fermentando no lagar, desenfeitada e assente, alheia a quem a tragasse, uma espécie de amor, união
Se eu provei do vinho novo
Provocaria calor nas costas de um homem chamado Firmino, rubor nas faces peludas. Telma feita vinho, implicando gargalhadas numa tasca de província, abrindo paixões numa noite de chuva. De Verão. As mesas fervilhantes de risos, de anéis de gamela, caroços de azeitona, cascas de tremoços, cordas de chouriço. Telma feita vinho e o vinho feito sangue a correr pelas veias do Firmino
fui a folha solta a bailar ao vento, fui raio de sol no firmamento
 Mena leva o lixo lá fora e a chuva faz-lhe sapateado no rosto. Mena sorri e relampeja o canino afiado, lembrando o quarto-minguante. Abre o contentor do lixo e tapa o nariz para não lhe adentrar sujo. De um dos sacos pinga-lhe sumo de lixo no avental. Está tão cheio que de lá caem peles de bacalhau. Mena recorda a mãe dizendo Come as peles do bacalhau para te crescerem os peitos, dizia-lhe a D. Filó, agora lá dentro a mandar o Saul e o Martinho para casa
- Ide para casa para as vossas mulheres, passais tanto tempo aqui que qualquer dia enfeitam-vos a testa
Mena dá conta de fumo de cigarro nas traseiras. Chuva sapateado. Tabaco de enrolar. Os cabelos singularizados na testa do Firmino, os olhos ávidos em comparação. Ela conhece aquele gosto. Um canino afiado, lembrando o quarto‑minguante, a arranhar o lábio do homem. Um arrojo. A mão do Firmino, hábil no tabaco de enrolar, sentindo-lhe o pulsar dos peitos, mamas crescidas a peles de bacalhau, uma espécie de amor. Telma espumando-se pelos veios do Firmino, Telma feita vinho, vinho feito sangue, correndo pelos veios do Firmino de encontro aos lábios da Mena, arfar, e num feliz assomo, arribando-se, e assim acabou-se, Telma feita amores perros
Mas não é esse o sonho que Ana Mendieta vê para Telma. Telma sente‑o
- Se os meus sonhos fossem bons para mim, não teria dedos descarnados de sangue nem cabelos mortos compridos,
Telma só lavra o ventre por ter lido no pólen que Ana Mendieta sabe de cor quantos cabelos lhe brotam da cabeça
Telma só lavra o ventre por
- Mesmo com asas posso deitar-me de costas em lençóis garridos, elas amansam como os peitos da Mena ante a mão do Firmino, como os meus olhos ante flocos de pardais, valho centenas de pardais, li-os no pólen, gotejando ao contrário, da Terra para o Céu,
valer centenas de pardais e por rogar a Ana Mendieta que lhe ponha na boca as palavras,
- Talvez seja lá, no sítio onde a Terra e o Céu se beijam, seja lá onde moro, donde provenho e aonde devo tornar
as palavras e o entendimento
É isto que Telma incensa ao caminhar à noite pela praia fluvial da sua meninice. De cabelos mortos compridos e mãos esgravatando o leito do rio, os dedos descarnados de sangue em busca dos filhos
- Sigo-los buscando, eu sou como a malagueta verde: picante, mas saborosa
afogados e mortos, os filhos, presos no leito do rio, anunciando vida vegetal, um saber ancestral
- Por que me sinto perdida, Ana Mendieta, por que caminho sem alumiar à frente, salvo a luz que eu incenso, enganando-me a mim mesma, onde ficam os lençóis garridos, dos amantes, errantes, onde a Terra e o Céu se beijam, o pólen silente, derramando-se ao revés, centenas de pardais, as minhas espaldas dotadas de penas, de asas, que se amansando nos lençóis, pela urgência de beijos, o assomo do Firmino, a minha coxa gostosa como a Mena, picante, mas saborosa, onde fica, ensina-me a dizê-lo, dá-me las palavras e lo entendimiento, dá-me lo, dá-me lo a mim

2.

Telma sai de Belas Artes e vai almoçar ao “Roscas” com o Luís, o Braga, a Renata, a Chã, a Iveta e a Liene. Telma fala pouco e vai sentindo a conversa esbatida, como se a estivesse escutando desde longe, em Cuba. Telma não fica para o café e despede-se apressada, embora às terças não tenha aulas de tarde. Telma caminha até São Bento e apanha o 500 rumo à Foz. Telma sai em Lordelo do Ouro e caminha até junto do anjo da marginal. Telma remexe na pasta, tira o bloco de papel e graffiti vermelho. Telma recorta pedaços de papel de forma orgânica, como se o polegar e o indicador empunhassem a lua, como se aquelas formas tivessem saído da boca de Ana Mendieta. Telma cola pedaços de papel ao anjo, dotando-o de asas mansas sobre lençóis garridos, dos amantes, asas brotando como silvas, asas silvestres, veredas. Telma cria a silhueta do anjo com graffiti vermelho, uma silhueta aérea, espontânea, perene, respingando nas asas de papel, de pedaços de papel, uma silhueta que dura até ao fim da lata, um momento com sentido
Telma é interrompida por uma senhora. A D. Etérea. A menina não pode fazer isto. Telma escuta-a desde longe, em Cuba, voz abafada, indistinta, Telma reporta-se a Cuba, liga-se a Ana Mendieta, a silhueta que a tem cativa. A menina não pode fazer isto. Menina, saia daí. Menina, diga alguma coisa.
Telma quebrantou-se e sossegou-se. Telma guardou a lata vazia num saco selado que tirou da mochila. Telma viu o mundo do lado de fora e chorou um punhado de lágrimas que lhe lavaram a alma. Telma olhou para a D. Etérea, sorriu mostrando um canino afiado em quarto-minguante e teve apenas isto a dizer:
- Mendieta-te

3.

- Um anjo, D. Etérea…?

De joelhos, plantado na marginal.
Que impressão me mete a cara do anjo, afligem-me as estátuas, uma pessoa olha à cautela e vai e demora-se um bocado a mais e a pedra dá por nós e devolve a atenção. O que isso me assusta, é que depois não tenho mão em mim. Lá venho eu, descansada com as sacas da mercearia, a ouvir os meus botões, e quando dou fé já estou de olhos postos no anjo, uma cara branca tão branca que se vê logo que não é como a gente, olhos a quem faltam olhos, lábios mais duros que dentes. Se mantivesse a mesma cara como devia, tudo bem, mas não, olha para nós como a gente olha para a gente. Como a gente olha para a gente

- Se pudesse seleccionar somente um episódio do dia de hoje para a posteridade, a escolha recairia sobre essa aparente personificação da estátua?

Não, uma miúda, dez reis de gente, com uma bola prateada no nariz, olhos carregados de fumo e saia de ciganita, um metro e uma gilette, a miúda, pele branca de fantasma, cabelos compridos, toda furada nas orelhas… Mas como essa há muitas, o que mais me marcou é a semelhança com a mulher que sempre em noites de finados, em noites de fugida, à beira-rio, percorrendo as margens do Douro que aqui se finda, é um olhar vazado de lágrimas, um calcorrear felino pelas rochas doentes de algas, um tom sem nome mas primo do preto, uma aspereza sem nome mas prima da malagueta. Deus me valha, faz-me lembrar a Moura que aqui mirou pela última vez, decepada às mãos de Ramiro, a Moura que já foi a folha solta bailando ao vento, foi raio de sol no firmamento

- Mas foi apenas a aparência da jovem, a subsequente associação às divagações da sua mente tolhida pela demência e uma ténue ligação a uma alegada lenda composta por uma série de episódios que culminaram num suposto crime passional e de cariz potencialmente xenófobo que lhe chamaram a atenção?

Não, a miúda estava a libertar o anjo, a desmanchar-lhe a silhueta com um spray encarnado, a libertá-lo com um spray muito forte, soltava uma língua de dragão blasfema, derramando sobre si mesma pólen silente ao contrário, das asas das costas, aqui onde o Rio beija o Mar e o Céu beija a Terra, a raça da miúda, não pude suportar que sobre si derramasse as graças da água doce, o desplante da moça, como se a vida fosse a silhueta efémera dum anjo, como se pudesse dançar em contratempo, fora do relógio do mundo, apenas por traçar a aura dum pedaço de pedra, somente por fazer um anjo voar em contratempo, fora do relógio do mundo. A lata, o desplante da miúda, nós aqui de sacas de compras na mão, escutando os botões, e ela toda gaiteira, fulgindo, trocando longos cabelos morridos por rebentos de feijoca e dedos descarnados de sangue por grilos de Agosto, na costa alentejana, as asas acamadas nas dunas nocturnas como se só ela e as estrelas

- Detecto um tom de ressentimento, D. Etérea? E talvez até uma pontinha de inveja? Seria de supor que a sua intervenção no sentido de deter o acto de vandalismo tivesse sido motivada exclusivamente pelo dever cívico de protecção do património regional, um valor louvável e que deverá ser partilhado por todos e por cada um de nós, cidadãos desta nação que deu novos mundos ao mundo.

O senhor jornalista detecte o que quiser que o que eu faço ou deixo de fazer não lhe diz respeito nem a si nem a ninguém

- Peço imensa desculpa, não a tencionava melindrar. Se voltar a cometer um acto de perfídia igual ou superior a este, prometo-lhe que consumirei 33 cl de desentupidor de canos.

Valha-me Deus, homem, Jesus do Céu, que exagerado que você me saiu

- A D. Etérea quer deixar alguma reflexão final?

A garota só me disse uma única palavra, antes de pegar na trouxa e ir à vida dela. Queria impedi-la, mas como, se ela estava fora do relógio do mundo, com pólen derramando sobre si, silente?
A garota só me disse única palavra, disse-me assim, veja lá, não lembra ao diabo nem ao anjo que antes enraizado aqui na marginal, mas agora em estratosferas estrambólicas, a miúda só me disse:
- “Mendieta-te”

- Neologismo esse que representa uma alusão clara a Ana Mendieta, artista plástica cubano-americana (18/11/1948 – 08/09/1985), cuja arte performativa autobiográfica é caracterizada por uma forte componente feminista e a uma ligação física e espiritual com a terra. Estaria ela a urgir à D. Etérea que assumisse uma postura de vida mais semelhante à da escultora em questão, cuja morte e as circunstâncias que a rodearam ainda hoje permanecem envoltas em polémica?

O que ela me quis dizer sei eu bem, mas não o entendi pelo que as palavras significam, porque não conheço essa senhora nem preciso de conhecer. Compreendi o que queria dizer pelo que as palavras em nós desarranjam e desarrumam, pelo que em nós provocam a Queda do Império Romano do Oriente

- D. Etérea, desconhecia-lhe esse lado críptico. Por favor, expanda essa fascinante consideração que se torna ainda mais surpreendente vinda da boca de uma mulher-a-dias com a antiga 4.ª classe que perdeu o marido no Ultramar e cujo único filho está emigrado na Suíça.

Não explico coisíssima nenhuma, você é um malcriado

- Perdão, depreendo que tenha cometido outra indelicadeza. Diria que foi dum grau igual, inferior ou superior à ofensa anterior? Preciso de saber se devo ou não consumir 33 cl de desentupidor de canos.

Vá para a Mendieta que o pariu

4.

Sempre preferi desenhar e pintar a escrever, sempre preferi mostrar cá fora o que está dentro, muito melhor que as calças justas das palavras
Isto que te lo digo é traduzido pelo contorno das letras, pela pintinha de um i, pelo rebuliço de um h, pelo cerco de um f. Pela mancha gráfica, pelos parágrafos, pelo espaço, pelas quebras, pelos acrósticos acidentais, por uma vírgula mais lontana

Isto que te lo digo é em poucas palavras, não dizem nada e não, não vale a pena alongar-me. Oxalá as compreendas não pelo que elas significam, mas pelo que em ti arranjarem e arrumarem, pela selva que urdirem

Isto que te lo digo é simples. É o roçar da minha asa na tua face. Sei que duvidarás quando a sentires, sei que o relógio do mundo cai igualmente sobre os justos e os injustos. Por saber tudo isso, não te peço demasiado nem nos gasto em palavras. Só falo do roçar da minha asa na tua face, da impressão que restar, da silhueta de centenas de pardais, do número de cabelos que da tua cabeça brotam, esse número tatuado na minha coxa picante, mas saborosa

Isto que te lo queria mesmo dizer era liberta um anjo e libertar-te-ás de la Llorona, mas como sei que não entenderás, não lo digo, não digo mais nada, fica a impressão do roçar da minha asa na tua face, fica o que de mim em ti restar, Firmino, acuérdate de mi

Siempre tuya,

Mena

sábado, 18 de setembro de 2010

Ripe for the Picking - um "Palmeresque"



   
Shortly after the tragic death and premature death of Amanda Palmer, (the mysterious nature of which served only to add considerably to her previously acquired mystique), stories, poems and stream-of-consciousness writings began to appear, first in blogs and chat-rooms, then in other forms of internet based viral distribution formats such as auto-forwarded emails and Facebook applications etc.. These have come to be known as “Palmeresques”.




    You weren't ripe for the picking, 'Manda, and now you'll never be. And it burns me.


    Without the possibility of you, I just sit around my desk at the library, my hands tumbling and fumbling, awkward caged birds, feathery complaints, hearing the radiophonic crackles of the ghost of your voice, your feigned smile gliding mid-air, right in front of my face, cold sweats... I reach for your fingers but they're traces of incense, no bone to chew, no fingernails to bite of. And it burns, not you, not yet ripe for the picking, never


    I should of thought there would be someone else with their greedy lil' eye on you, some other hollow-chested being such as myself. In my lunch break, at each bite of my sandwich, I see his dishevelled hair partially covering blistering eyes, a rabid three-legged dog bashing your head in against a sink, slithing your throat with a x-acto blade, leaving your naked corpse in a Venus de Milo-esque pose right in some corner of the park. How unimaginative. Only to be found by a jogger and his husky dog. Clichéed as hell. I yawn at this poser, this eager excuse for a ripper. Men. Yawn. I'd have been different, 'Manda. You should know us, girls, are way more creative than that. I'm left wondering if he touched you and I push away such thoughts, disgusted. Lousy poser, jerk, fucker, I bet he licked your face, oh God, gross, barf, fucker


    Still, I play it back in my mind over and over again, the way I'd do it. I admit it's still a bit too unrealistic, but I rather dwell in fantasy, in possibility. That's why I like working in the library. So many psychowriters, books humming, the entire room humming with wounded and unfulfilled fantasies, like my hands, caged birds, flustered, impatient, rotting slowly in captivity, delirious


    You've just arrived in my hometown, you are going to play a show here and you're twitting, asking for a good place to get a haircut. I answer right away, blowing you away - ka-boom - with my refined sense of humour, my quirky and dumbfounding wit. You come alone. You meet me outside the library and I show you around, while I pretend to feel starstruck and tell you about the awesome underground art vibe of this town. While I lie through my teeth, you irradiate happiness. I pretend to be a part-time hair designer, experimenting with ink and brand-new european trends. We end up in my loft, you find my parakeets delightfully colouring and I stretch your head back, exposing your neck. I run my fingers through your hair, letting you feel warm water, you let out a moan, I reach for my scissors and


    I never got past this part, 'Manda. Don't laugh. It's just that the warm water, the parakeets, the evening sun bursting in through the window, the promise of possibility hanging in the air... I just wanted to breathe in that scene forever, you offering me your neck, tilting your head back, trusting, blindy trusting, glowing, you always glowing, me basking in what makes you, you


    That's why I'm different from that fucker, I didn't want you as a win, as a wife, my scissors wouldn't kill you, like some Sweeney Todd fanboy, I'd just, I don't know, release you, you and I, together, you with me. Lovers consume one another, don't they, only to be born again. Life can't be confined within these bodies, condemned to repeat itself in an infernal loop, we have to give it wings, not caged birds, scissors, cutting away the grey, this pounds of flesh, freeing us, 'Manda, you and me


    And that's why I miss you, 'cause you were making my hollow chest feel something, I don't know wether it's love, anger, lust, sadness, I don't know what it is, what to call it, that's why you weren't ripe for the picking yet, and he, that bastard, it burns me


    I'm sure without you this thing in my chest will wither away and die, unbaptized, uncommunicated, left caged in my chest, humming along with these books, these hellish flames confined in books, work of psychowriters too lame to act them out or maybe just victims like me, some loser, some pretense wannabe with complete disregard for art, cutting away flowers way too soon


    What shall I do now? I was hoping you'd tell me, 'Manda. I guess I was hoping that, one of these afternoons, I'd be greeted home by colourful parakeets and your glowing self. You'd sprinkle me with warm water. It's warm. You'd tilt my head back and expose my neck. You'd run the scissors through the line of my shoulders and make me moan. And you'd just release me, cut me loose with scissors, so that I could, I don't know, reach this thing you left in my chest, my once hollow chest, and, with you by my side, both us free and flying through the sky, I’d hold this thing in my hands like a baby and you would whisper its name in my hear,


    you and me as soft as doves, blood running through my loft, and I'd hold this thing like a baby and I’d finally know exactly what to call it

terça-feira, 6 de abril de 2010

A um Dedo, o Amor

Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo
- Sophia de Mello Breyner Andresen




    Sissa,

    Oxalá sintas o meu toque nesta carta. Suspiro que o papel se aflore na tua concha de mão. Qual paloma em corvo de tinta chinesa. Papel de arroz. Pincel e traços de tartaruga: casmurro e o vagar do amor. Sei bem o teu jeito atrapalhado de abrir cartas, sua pinguina de meias de flanela. Amaldiçoas o envelope, o carteiro, os correios… Rasgas meia carta e alumias doirados caracóis, ao sol cadente do entardecer. Abres a janela e as fadas do jardim cobrem-te de amendoeira. E se penso nos teus olhos, a pena detém se já aqui

    (Perdoa-me)

    Já não devo banhar-te assim, essa fonte de amantes secou e os meus lábios a estalar de barro

    (Esqueço-te)

    Devolvo-te os dias em que me emaranhaste na teia, pingada ao teu jeito de mel. Cortado o fio de Ariadne, perdido no labirinto, fere-me saber que nem dedal de mim queres

    Devolvo-te as noites em que a onda jasmim me respingava o peito. Devolvo-te aquela primeira noite em que te acompanhei ao carro. Chovia e tu sem guarda-chuva

    Chovia e eu sem guarda-chuva. Tive de deixar o carro ao pé do Café do Aires e, azar dos azares, do trabalho até lá ainda é um esticão. Lindo serviço e eu de saltos altos. Pensava em como a vida era injusta quando avistei um rapaz a olhar para mim. Vinha a pé e de guarda-chuva em riste. Ar circunspecto, debruçado sobre o MP3. Meti logo conversa. Corou um pouquinho, mas não fugiu. Atinámos. Ia para um atelier ali na Praça Fontes Pereira de Melo, mas fez um desvio para me levar ao carro. Não era muito conversador, mas tomei-o pelo braço e falou-me de ondinas dormindo nas gotas, bailarinas de vermute, desfolhadas nos socalcos. Se me perguntassem agora, nem sei bem… Não sei o que me encantou no seu jeito acanhado, barba mal feita e calças rotas nos joelhos. Nunca soube como, entre duas pessoas, surge o talvez do amor. Só sei que nunca disso fugi.

    Foi-me falando do seu curso de Cinema. Em breve, filmaria uma curta-metragem ao jeito de um realizador dinamarquês, sem actores a sério e com a câmara tremida. Quase via o filme projectado pelos prédios, como Neptuno a invocar ondas. Chegada a minha vez, contei-lhe que trabalhava para pagar o curso e queria ser psicóloga. Ou, quem sabe, jornalista ou cozinheira. Chegados ao carro, deixei que me convidasse para um café. Deixei que se arrojasse, tomando-me o número de telemóvel como uma praça de África. Deixei-o entrelaçar-se nos meus caracóis, menos húmidos com os seus dedos. Eram ternos. A névoa aumentava, a morrinha anunciando a presença da Deusa. Três ou quatro momentos. Um beijo despachado meu e um mais longo dele, no canto da minha boca. Safado. Por hoje, chega, pensei, mas nunca o repeli. Sempre me abri ao talvez do amor. Só que, com o Vasco… Não sei o que me encantou nele, mas foi algo como a chuva

    (Apaixonei-me por ti, Sissa, só pelo teu sorriso)

    como a chuva, repentino, forte, esbaforido

    (que me esmaga e me arrepia)

    como a chuva que quando se dá por ela, terminou

    (escorria uma lágrima-gotta)

    que quando vai, já foi

    e quando entraste no carro, escorria uma lágrima-gota. Arrancaste e eu fiquei ali à chuva, plantado e planado, de pés no chão, mas elevado pela onda jasmim, elevado como os amantes. É triste rever-nos no início quando já terminou o fim. E se penso nos teus olhos, a pena detém-se já aqui. Queria recontar-te a nossa história como a vivi. Depois da primeira noite, continuei a abeirar-me de ti e cuidava ser perfume. Guardava as tuas SMS até na caixa de entrada aparecer só

    sissa sissa sissa sissa sissa sissa

    Hei-de filmar lá uma curta, nos interiores e exteriores do que entre tu e eu foi um nós. Nos jardins da Sombreira, no Espaço R, na Rua da Malafaia… A tua pele, o teu bicho de seda. Porque em ti tudo era belo, belo de mais. Para ser verdade. Fere me saber que nem dedal queres de mim

     O Vasco começou a enviar-me SMS a toda a hora, com versos estranhos, a ligar-me bêbedo às tantas da madrugada e só saímos seis ou sete vezes, no máximo. Tomámos uns cafés, fomos ao cinema e saímos no aniversário dele. Fomos tomar um copo com os amigos ao R. Bem, ele fez cada figurinha! Empurrou a Tânia só para se sentar à minha beira e não me largava a mão, por muito que o afastasse. Um certo domingo, um mês e meio depois da noite à chuva, fomos os dois à Sombreira. Sorria como um pateta e dizia que era a mulher mais linda do mundo. É verdade que o talvez do amor ainda me soprava ao ouvido, mas abafado pela sua sofreguidão. Uma fome imensa cravada com garras negras. E eu, como era só eu, não lhe chegava nem queria chegar, pois, bem vistas as coisas, eu não era nada mais que eu.

    Mas o pior de tudo foi quando

    Quisera eu ser esta carta, para me segurares uma vez mais. Sei que estraguei tudo, como de costume

    Foi quando a minha avó adoeceu e ele não acreditou, disse que era mentira e insistia, tinha, precisava de me ver. A minha família quase de luto, eu chorava-me pela cama abaixo e ele a reclamar-me para si. Foi quando o vi como um monstro voraz. Um menino mimado, patético e vazado. Aconteceu o não do amor.

    Bem sei que estraguei tudo, não te tratei bem, mas juro que mudei, se pudesse voltar atrás…

    Devolvo-te os dias em que a onda jasmim me prometia pomos de ouro. Devolvo-te as noites em que o teu bicho de seda se demorava em mim, ora ameno, ora em dedos. Num frémito de dedos. Devolvo-te o que se não foi até agora,

    Há coisa de um ano, vi o Vasco na Rua da Malafaia. Acho que não me viu. Parecia feliz, com o nariz enfiado num livro e rodeado de amigos de cabelo comprido e calças de palhaço. Desviei logo a cara. É triste, mas só sei que sempre estive aberta e nunca disso fugi. Do amor, claro.

    nunca será

    Haverá mais noites à chuva e tomara que a Deusa me inunde com uma nova onda sublime, esse espanto de faíscas que de nós faz anjos felpudos. E quem sabe, Vasco, noutra vida, em que tu e eu renasçamos como gatos, talvez, talvez, quem sabe, essa ave sublime, nunca soube, gatos com bigodes, bigodes de gato, nunca soube porque acaba o amor

    E

    Sissa

    se penso nos teus olhos, a pena detém-se já

    aqui

terça-feira, 30 de março de 2010

Icebergue


I dwell in Possibility--
A fairer house than Prose--
- Emily Dickinson

There’s a possibility that all I have
is all I’m gonna get
- Lykke Li


    Sabes o que é um icebergue? É uma possibilidade. Pegas mal pela ponta e degelo. Ou pegas bem pela outra e enlevo. Enlevo é ter as barbas de Júlio Verne, descer ao centro da Terra e traçar 20 000 léguas submarinas. Enlevo é cantar assim



    Eu fui ao fim do mundo



    vou ao fundo de mim



    vou ao fundo do mar



    no corpo de uma mulher



    bonita



    Esta ponta de icebergue começa com três ingredientes: uma estação de caminhos-de-ferro na Rússia, um rapaz e uma rapariga.



    A cara dela diz nos o frio. Sente-se desamparada. Tempos houve em que bastou lutar para ter o que queria, mas agora falta algo. Nem tudo vem pela força. Esta manhã, acha-se velha de mais para isto. Começa a pensar que foi um erro. Deveria ter ido com os pais para a Quarteira. Praias apartadas em paredões, cafés e esplanadas, revistas, biquíni amarelado. Fugidios homens colibris que só lhe tragam o néctar. Não se olha ao espelho, olha-se à torneira aberta do lavatório, fita-a qual serpentina pelo cano abaixo, dilacerada, moída, dá por si de mochila às costas e na Rússia à procura de algo, algo que esbaforido foge pelo cano abaixo, em serpentina. Há velhos na estação, mas ela afoga-se mais que eles, o papel pardo, textura de ossos, savana da pele, tosse pergaminho, toda a areia do Sahara, mas onde há deserto, há oásis. O que há de belo num deserto é que, algures, esconde um poço. O poço não é ele. O poço é o encontro dos dois



    Ele nasce seis anos depois dela, na Alemanha, mas peneira Alexandria e o Nilo. Recorda da infância idas à pesca com o pai e correr o mundo de bicicleta. Ainda hoje corre mundo, mas de Transsiberiano e, paciente, pesca tatuagens. É artista de tatuagens. Desenha na flora e na fauna, traça a savana da pele. Tem o dom de falar mandalas e foi assim que despontou o amor em botão. O olhar de Matthias, decantando Marta, de turbilhão para constelação. Ela é a tatuagem em si inscrita, achou-a ali, ele que professa a geometria, toda a geometria é divina, que bela ela é, que bela é ela, em si inscrita, traçada, a sua mandala, esta mulher é divina, é geometria sagrada, quero-a em mim. Matthias é loiro, tem o cabelo rapado dos lados, espetado em cima e rastas na nuca. Tem piercings, mas nenhuma tatuagem. Até hoje, mantinha apenas uma vaga ideia dos contornos desejados. Eram os traços do rosto dela, da tinta que compõe Marta



    Marta ainda não deu por Matthias, só pela sua falta. Lê um livro espesso sobre Lisbeth Salander. Também ela sonha com uma lata de gasolina e um fósforo. Para deitar fogo a todos os homens-colibris, esses que odeiam as mulheres, esses que delas sorvem néctar. Marta não gosta do seu reflexo, por isso busca-se na torneira do WC. Abafada, põe os auscultadores e liga o discman. Só levou um CD, uma colectânea pessoal. Música para a animar, música para a adormecer. Música para abafar e música para chorar. Selecciona a faixa 06, da banda-sonora do filme da Amélie, mas as pilhas morrem ali. Típico. História da minha vida. E, saindo do WC, vê Matthias



    Matthias, enquanto espera que ela saia do WC, desenha já em si o rosto de Marta. Desenha o rosto dela no seu braço. Tornando-se numa mandala, tem visões de Alexandria e do Nilo. Ela sai do WC e ele traça sobrancelhas como cisne, como heras, como milhares de libélulas, um rompante de magnólias desabraçando-se sem fim



    Marta sai do WC, olha para Matthias e ouve a música do filme da Amélie. Que susto. Desvia o olhar e pára. Torna a olhar e recomeça. Vem de Matthias, a música vem dele, só se olhar para ele. Intrigada, demora nele o olhar e tem visões de um poço, da cortina de contas da cozinha e de um rompante de magnólias, desabraçando-se sem fim. O poço é o encontro deles.



    Marta deleita-se, recatada, faz que não é nada. O final do filme da Amélie, ela e ele felizes na lambreta. Marta e Matthias poderiam felizes no Transsiberiano. Ele traçando o rosto dela em si e ela evaporando em música, adorando o corpo dele. Ele feito mandala e ela beijinhos ou brisa. A seis passos de distância um do outro. A seis passos do amor que tudo consome ou a seis passos dum amor tranquilo. Um amor que corre o risco de permanecer num bloco de gelo. Tudo depende deles. A seis passos, a ponta do icebergue.



    Pegas mal numa ponta e degelo. Pegas bem na outra e enlevo. Enlevo é isto, é a possibilidade, um poço no deserto. A possibilidade do amor que tudo consome. A possibilidade de nele brotarem mandalas e, nela, beijinhos ou brisas. A possibilidade de um amor tranquilo. Se ela desse o primeiro passo, pegaria mal na ponta. Zangar-se-iam dali a seis meses via Skype, exigiriam coisas diferentes um ao outro. Ela ia chorar e tomar comprimidos na banheira, sem saber que ele tinha viagem marcada e quarto reservado em Sintra. Ela ia morrer de comprimidos, evaporar-se e nunca saber o que é extrair mandala da pessoa amada.



    Só que é ele que dá o primeiro passo e Marta sorri. Ela ouve agora uma voz, cantando em Matthias, uma voz que talvez seja a dela, porque canta, tal como ela cantava, tantas noites de Verão, rainha do palácio das correntes de ar, sozinha e sem braços, na varanda, sento-me nesta varanda vazia e relembro, rezando à Lua, cantando, pedindo Irmã Luna, eu só te peço a sorte, Irmã Luna, eu (só) quero a sorte de um amor tranquilo

quinta-feira, 25 de março de 2010

Heima


No fundo dos olhos trago
a estrada de Santiago
e o Cruzeiro do Sul


- Carlos Barbosa de Carvalho / Miguel Ramos


    Pediste que te mostrasse quem sou. Resmunguei, para quê, as tuas mãos já me conhecem de mais. Os teus lábios reescrevem-me, a cada dentada, sorvedouro, tinges-me de magenta. Não da cor magenta, mas do som magenta. Sussurra, mandrágora beladona tangerina Carolina. O gomo da Carolina.

    Quem eu sou é isto que vês, na cama a teu lado, tecendo poesia de travesseiro, fiando teus cabelos à lua, ora cresce ora mingua. É domingo deixa-me estar, ao domingo o corpo ancora-se para a alma o alcançar. Não vês a tua alma a pôr as contas em dia, em cálculos de ábaco?

    Insistes, afinal és mulher. A verdade é uma: não te posso mostrar quem sou. A razão é várias

    Repara em mim, a brilhar aos lampejos da Fontana di Trevi, de gelatto a escorrer-me pela mão, stracciatella, sou as Vespas das ruas de Roma, atravesiamo, deliciado pelos trinados italianos

    toti tutiti tapopi labuti buona sera bela grazimili chau nono presto laminestra

    ainda hoje creio que os gelados são italiano condensado, enrolo-o na língua e faço hmmm

    Atenta, sou o sobretudo preto por entre a tormenta de neve. É Novembro, o mês da morte, e ando perdido em Suomënlinna, ao largo de Helsínquia. Quero ribombar os canhões ou despir-me num vendaval sob o céu pintalgado, sempre negro. Por cima, as auroras boreais, por baixo, os mil lagos gelados. Os gnomos loiros que por mim velam, acodem me para a sauna. Cerveja, mergulho com os patos e sono de kahvi e pulla. Chamava-lhe baverite, à princesa dos gnomos. Nascia quando era sempre Sol.

    Nunca mais reencontrei esta ruela, para onde fugi do Museu de História Catalã. Sentei-me num barril de esplanada, onde e eu os meus partilhámos tomaca e sangria. Deus baptizou-me aí, a chuva arrasava o alpendre de hortelã, mas ninguém arredou pé. Porque amigos. Amigos querem-se mais em risos. Esventrámos as vísceras de Barcelona e fomos dar a uma igreja. Enquanto fumavam, entrei. Era um baptizado e, agora ungido, abençoei a menina. Fiz o mesmo em Estocolmo, aos canais. Agnus Dei que limpa o pecado do Mundo.

    Rendido, fora do tempo e do mundo. Sou nada na imensidão agreste, pés plantados nesta paisagem lunar, enegrecida de cinzas vulcânicas. A areia negra, um mar contrário ao mar, um punhado de não sei que aves, o contrário de gaivotas. Aves islandesas, suponho. Há uma escarpa talhada de rochas. As montanhas são tronos de gigantes. Fantasio as noites de Inverno, não é de estranhar que acreditem em fadas. O coração desta ilha é um icebergue, cabelos de fiordes, o céu pesaroso. A Dëtifoss devolveu-me à minha condição original, de bicho humano, humilde, adivinhando o Céu. A barbatana de baleia riscou a superfície e fui rebento. Num bar de Reiquejavique, uma mulher bonita de mais para ser tão simpática. Fomos a banhos à Lagoa Azul, cristal enevoado e odor a enxofre. Queria inspirá-la para dentro de mim, mas de imensa não cabia. Se fechar os olhos, ainda a consigo cheirar, quase que sinto, quase que

    Não fiques com ciúmes. Era o que te queria fazer ver. Não te posso mostrar quem sou, pois estou espalhado. A minha alma desfez-se e paira nos sítios onde fui feliz. Se fores a Caminha, verás que ainda lá flutuo, no dia em que te conheci. Venho ensonado da tenda e, à beira-rio, o Alex apresenta-nos, és a Carolina. Morena. Olhos verdes. Morena/tudo o que vale a pena. Comias cerejas e admirei me de engolires os caroços. Brilho. Aconteceu. Brincos de cereja e gomos de Carolina. Bella. Bela bobupi.

    Entende, não importa que fragmentos, porque me acolheste e resido em ti. Heima. Ítaca. O meu lar. Domingo, as almas fazem contas à vida e nós desaguados. Corpos e profusão de cerejeira. Se o meu sangue não me engana/havemos de ir a Viana. Heima. Ítaca. Ver o mundo e, Morena, por fim, desaguar nos teus braços.